segunda-feira, 24 de outubro de 2011

A Festança da Flica 2011

foto: Marcus Ferreira 
 
Era para ser uma festa. Foi uma festança. Era para ser bom. Foi ótimo. Muitas falhas eram esperadas, poucas aconteceram de fato. Mérito da Coordenação Geral da Flica 2011? É possível, mas será residual. Quem fez a festa virar um grande acontecimento foi o público, além, é claro, de nossos parceiros e colaboradores, da equipe envolvida, do segurança ao fotógrafo.

Vamos começar pelo fator mais importante: o público. Mostrou-se sedento, vidrado, envolvido, compenetrado. Vibrou, aplaudiu, vaiou, contestou. E impressionou nossos convidados. Acima de tudo, soube compreender nossa proposta: diversidade de opiniões, total liberdade de expressão. Só como exemplo, a mesa “Contexto Racial nas Américas” fora objeto de tentativas semelhantes em universidades. Nunca deram certo, pois as plateias não permitiam. Na Flica, apenas aplausos alternados dos que concordavam com um ou outro participante. E atenção total, interesse, foco no diálogo.

Os parceiros Rede Bahia e Fundação Pedro Calmon propuseram-se a multiplicar a festa. Cumpriram, mas o resultado foi, mesmo assim, surpreendente. Muitas vezes, foi também mágico, contagiante, arrebatador. Difícil descrever em poucas linhas.

Outros parceiros também foram além, muito além do script planejado. A Oi, ao invés de olhar de longe, prestigiou a Festa através de representantes, dialogando diretamente com todos os envolvidos. O Instituto Oi Futuro, igualmente presente, agigantou a estrutura, recebeu a imprensa, trouxe novos convidados, enfim, surpreendeu-nos.  O Governo da Bahia, através das secretarias de Cultura, Educação e Turismo, soube confiar à jovem empresa Putzgrillo! Cultura os investimentos necessários e ter a satisfação de ver uma ação coordenada entre as secretarias acontecer de forma harmoniosa e eficiente. A Prefeitura de Cachoeira, por sua vez, desdobrou-se, interessada em não deixar faltar nada, solícita, preocupada com cada detalhe do evento e decisiva quando imprevistos se interpuseram.

Os autores e grupos musicais não atenderam as expectativas da Coordenação. Não imaginávamos que agiriam assim, que falta de respeito, porem-se tão à vontade, como se estivessem em casa. Performances brilhantes? Não estavam previstas. Aconteceram. Que loucura, onde estamos? Que gente é essa que chega aonde nunca esteve e faz-se local, simples, enturmada, despida de qualquer solenidade? Mais: puseram-se entre o povo, fizeram-se povo de Cachoeira, assim, sem cerimônia. E ainda deram espetáculo, belo espetáculo, indescritível, completamente imprevisto.

Por fim, last but not least, Cachoeira, sua gente, seu colorido, sua vibração. Confessamos. Ficamos como os autores, como os artistas, completamente à vontade. E na hora do debate, o povo lá, enchendo o espaço, querendo acompanhar, vibrar, torcer, ouvir, participar. Gente boa de Cachoeira, especial como a Heroica, a imortal cidade.

Por isso, ao agradecer, declaramos novamente: se há algum mérito nosso, é residual, menor. Foram os personagens e instituições citados acima os responsáveis por tão grande imprevisto: a festa virou sucesso, mexeu com Cachoeira, com a Bahia, com o mundo. E vem mais por aí, nem mais depende de nós. Toda essa gente e esses parceiros não vão deixar que paremos por aqui. O jeito é encarar tudo de novo, trabalhar para a Flica 2012, logo ali.

Obrigado, Cachoeira, gentes de Cachoeira, público, patrocinadores, parceiros, colaboradores. Obrigado por nos surpreenderem e nos deixarem pequenos, meros coadjuvantes de algo muito maior do que poderíamos fazer.
 

 
Coordenação Geral Flica 2011
Alan Lobo, Aurélio Schommer, Marcus Ferreira e Mirdad

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Resumo da mesa “Portugal, África e Brasil - Heranças e Afastamentos” - Germano Almeida e João Pereira Coutinho

foto: Vinícius Xavier

A última mesa da Flica contou com o português João Pereira Coutinho e o caboverdeano Germano Almeida, e foi mediada pelo angolano Camilo Afonso. Nesta mesa, foram discutidas as relações entre Portugal, Angola, Cabo Verde e Brasil, e as consequências históricas dessas relações.

João falou da Independência do Brasil e de como ela determinou tudo aquilo que aconteceu com Portugal nos dois séculos seguintes: “o país entrou em várias guerras civis e por fim, passou por uma ditadura”. Germano comenta que Cabo Verde, quando buscou se tornar independente de Portugal, tentou agregar-se ao território brasileiro. Depois disso, Brasil e Cabo Verde mantiveram uma relação distante e só voltaram a se aproximar nos últimos 20 anos.

Camilo Afonso explicou que o “segundo Brasil” foi criado em Angola, de onde vieram os escravos até o fim do tráfico negreiro. “Angola não poderia chorar pelos seus filhos, porque a maioria deles foi para o Brasil e lá morreu”, comentou o angolano. Camilo explicou que segundo Antônio Rego, esse homens ficaram no Brasil e se apaixonaram pelas “mulheres lindas do interior, e por isso não quiseram mais voltar”.

João disse que o impacto da Independência do Brasil não tem comparação com o impacto da Independência de Angola, pois no segundo caso, havia o apoio dos portugueses, e por isso a Independência Angolana não era vista como um trauma. “Quando falamos de Portugal, falamos de um país que sempre dependeu de outros para existir. O que será de Portugal se o projeto europeu falhar?”, questionou.

Germano comentou que Cabo Verde foi primeiramente ocupado pelos negros vindos da África para trabalhar nas lavouras e em um segundo momento, os brancos ocuparam o norte do país. Os jesuítas agiram de maneira inovadora ao promover no país a educação sem distinção de raça. “Somos de fato uma nação grandemente ilustrada. A única forma de subir na escala social é através da escola”, afirmou.

Camilo Afonso voltou a falar de Angola, dos angolanos que nunca voltaram do Brasil e da influência literária herdada da relação entre os dois países. Da Angola não saíram apenas as pessoas, mas os animais (como a galinha d’Angola) e elementos culturais, (como a Capoeira Angola).

Portugal, ao contrário do que se imagina, não é visto com rancor pelos angolanos: “Se tivéssemos rancor com os portugueses, não culparíamos o sistema pelos problemas”. Camilo explica que Angola nasceu em um momento em que dois mundos estavam em choque, a Guerra Fria, e que por isso os Estados Unidos demoraram muito tempo para reconhecer o país. Finalizou com uma pergunta: “que tipos de emendas ao nosso passado teremos que fazer para o bem comum?”.

Ubiratan Castro, que estava na plateia, pediu a palavra e disse que o Brasil não existiria sem Angola, e que o país nasceu aqui em Cachoeira, no dia 25 de junho. “Falamos a mesma língua de maneiras diferentes, que não podem ser domesticadas por um acordo ortográfico”, explicou o professor. Ressaltou ainda a importância da literatura da língua portuguesa, dizendo que os brasileiros leem pouco os autores portugueses. João completou dizendo que ninguém é dono da língua a ponto de determinar de que maneira ela deve ser falada: “a língua é produto da história de um povo. Não conheço ninguém que não consiga entender os textos em língua portuguesa escritos no Brasil ou em outros países”. Camilo finalizou, dizendo que a questão é que cada país saiba respeitar o acordo ortográfico em seu próprio contexto.


Aline Cavalcante

Resumo da mesa “Escrachos, Escárnios e Pornografia - A Literatura Underground” - Reinaldo Moraes e Victor Mascarenhas

foto: Vinícius Xavier

Verborragia, risos e freiras indignadas foram as marcas da mesa mais esperada da Flica, com a participação de Victor Mascarenhas e Reinaldo Moraes, os auto-intitulados “prostitutos do gênero”.

Victor, logo de cara, comentou as semelhanças e diferenças entre dois gêneros literários já bem conhecidos, o conto e o romance: “o contista não tem coragem de encarar o romace”. Reinaldo complementou: “O poeta é o herói da linguagem, a poesia é uma academia de musculação para o romance”.

Victor reclamou que os editores utilizavam-se da desculpa da grafia correta do dicionário para corrigir as palavras que usava, e deu o exemplo da palavra “viado” (homossexual), que era substituída pela palavra “veado” (animal). Contou uma piada dita a ele por Jorge Portugal: “Está errado porque veado vive na mata, já o viado pode ser facilmente encontrado em perímetro urbano”.

Reinaldo comenta sobre seu livro, mencionando algumas histórias. Ele fala sobre trocadilhos dentro de um conto em que um homem xaveca uma senhora de 60 anos em troca daquilo que ela puder oferecer – que vai desde cigarros até um lugar para dormir. Nesse conto, as palavras “Veia” e “Véia” são postas por Reinaldo como motivo suficiente para mandar o Acordo Ortográfico (que retira o acento agudo de palavras terminadas em - eia, como “plateia”, “colmeia” etc) “para as cucuias”.

Reinaldo reclamou de Chico Buarque, com quem esteve em outra ocasião. Para o escritor baiano, Chico é educado demais, não fala um único palavrão e ainda faz milhares de mulheres lindas e jovens surgirem do nada.

Falando agora de romances, Reinaldo comentou a liberdade que se tem ao escolher o romance como formato: “Romance é de natureza aberta, apesar de você ter as unidades aristotélicas, ainda sobra muito espaço para incluir tudo”. Reinaldo escreve em primeira pessoa, e Victor perguntou se isso não fazia com que as pessoas achassem que seus romances eram autobiográficos. Histórias de Victor em uma casa de swing e Mario Prata em um conto erótico jamais publicado de Germano Almeida fizeram a plateia rir - e escandalizaram algumas freiras que estavam por ali.

Reinaldo explicou como é difícil fazer uma cena erótica, porque por um lado pode-se cair na vulgaridade, e por outro se corre o risco de “cair em uma sublimação babaca”. Falando de influências, Reinaldo é enfático: “Não tenho influências. Sou influenciado por mim mesmo”. Para o escritor, ser influenciado por alguém é você “imitar esse alguém”, necessariamente. Victor tinha outra visão do mesmo lado da moeda, e disse que as influências “são coisas do ranço academicista”, nem sempre ele acreditava naquilo que escrevia e tinha influência especial das histórias em quadrinhos.

Para Reinaldo, é absurdo obrigar um adolescente a ler os clássicos “chatíssimos” da literatura brasileira, como “O Guarani”, “Inocência”, e que isso pode fechar as portas para a leitura prazerosa. Reinaldo teve o interesse despertado pelos livros de Machado de Assis. Victor explica que sua formação literária foi bem bagunçada e que não seguiu nenhum roteiro acadêmico de literatura.

Victor falou de um de seus contos do livro Cafeína em que uma prostituta se vende por um cafezinho e consuma o negócio atrás de uma banca de revistas. Em certa ocasião, lhe perguntaram se o livro era autobiográfico, e o escritor não perdeu a piada: “Me perguntaram se eu tinha relações com putas e eu disse que não... EU era a puta”. Diante do estranhamento, Victor explicou: “Poxa, você nunca fez pequenas concessões para conseguir as coisas?”

A conversa é reconduzida para o conteúdo dos livros de Reinaldo, em especial um conto que fala de uma suruba exotérica, a Surubrâmane. Quando jovem na década de 70, Reinaldo viu o exoterismo virar moda. Victor aproveitou o gancho comentou o caráter espiritual da vida questionando se “O grande Arquiteto do Universo quer que vejamos a vida como um programa de milhagens”. A polêmica entrou também no universo religioso católico, quando Victor comentou o fato de Nossa Senhora ser uma mulher com muitos nomes diferentes, e uma imagem para cada um deles:“Vejo Nossa Senhora como uma franquia”.

Entrando no tema auto-ajuda, Victor fez piada: “A única forma de auto-ajuda com 100% de êxito é a masturbação. Funciona tão bem que mesmo que o cara não se ame de verdade, resolve”. Os autores finalizam a mesa explicando que o que fazem não é literatura erótica, e sim urbana. O erotismo em suas obras não tem a intenção de excitar, e sim de ironizar, de fazer rir.


Aline Cavalcante

Resumo da mesa “Poesia Baiana e Contemporânea - Homenagem a Damário da Cruz” - José Inácio Vieira de Melo, João Vanderlei de Moraes Filho e Darlon Silva

foto: Vinícius Xavier

Lima Trindade mediou o encontro mais poético da Flica: José Inácio Vieira de Melo, João Vanderlei de Moraes Filho e Darlon Silva recitaram, discutiram e valorizaram a poesia baiana, em especial a poesia de Damário da Cruz, o grande poeta cachoeirano. Lima ressaltou a princípio que o principal objetivo da Flica era manter o que há de melhor em Cachoeira.

Moraes abriu as discussões falando sobre o processo de produção de poesia: “A gente vai maturando, construindo e desconstruindo. Cheguei a ouvir que não sou poeta”. João Moraes começou a quebrar barreiras em sua convivência com Damário da Cruz, misturando elementos visuais na poesia.

Darlon, o mais jovem participante da Flica, explica que se encantaria pela baianidade em qualquer parte e fala da vanguarda contemporânea da poesia, dizendo que ninguém tinha competência para dizer se estava produzindo algo novo ou não, e provocando uma discussão sobre a necessidade de se inovar na produção poética: “Para mim, poesia não tem que ser algo diferente, não precisa ser uma revolução”, defende. Moraes disse que não havia público para analisar o quesito contemporaneidade, e Lima disse que o contexto é que acaba produzindo a diferença, do contrário tudo é cópia.

Várias poesias de Damário foram recitadas por Moraes de maneira emocionada, sempre para ilustrar pontos da discussão e também durante o relato do surgimento do Caruru dos Sete Poetas. O Caruru surgiu da tradição do Caruru dos Sete Meninos, idealizado por Damário para trazer a poesia para perto das pessoas. “Damário dizia que a poesia é a melhor maneira de juntar gente, e a bacia dos Sete Meninos é a representação mais próxima do Socialismo”, conta Moraes. O poeta ainda disse que há um projeto chamado Caruru dos Sete Cantos do Mundo, em que a tradição poética do Caruru dos Sete Poetas é levada primeiramente para a cidade de Cartagena, que considera uma cidade semelhante à Cachoeira do ponto de vista histórico. Esse projeto visa tornar a cidade colombiana irmã da cidade heróica através da cultura.
 
Darlon alfinetou dizendo que no Recôncavo há aqueles que fazem poesia e os que fabricam poesia, e que enquanto poesia, “o recôncavo é magia”. A discussão mudou, então, de rumo para as políticas governamentais para a cultura, em especial a responsabilidade do governo para com a regulação cultural. Para Moraes, cabe ao estado regular essa cultura, porque faz parte de um mercado cultural. “Não há um plano de leitura na Bahia, e a política de leitura é afetada pelo mercado editorial, no qual o estado influencia”.
 
A discussão entra então na temática da qualidade e quantidade de produções poéticas. Josá Inácio explica que, com a internet, a possibilidade de ter um blog fez com que a quantidade de poetas aumentasse bastante. “O que tem de repetidor de Manoel de Barros nos blogs é incrível”, brinca. Quanto à qualidade, Zé Inácio disse que mesmo quem não escreve é capaz de detectar produções boas e ruins e o tempo se encarregaria de mostrar quem cresceria na poesia: “A força do poema permanece quando o autor parte”. A crítica, segundo o poeta, é feita na base do “cumpadrismo”, são amigos que criticam amigos.
 
Darlon já foi blogueiro e contou que não gostou da experiência. Parou de produzir na internet porque achou que tinha muitas produções melhores. “Quem é que vai querer ler meus vômitos na internet?”, questiona o jovem poeta.
 
A platéia participa e comenta a poesia baiana como sendo romântica e em parte, matemática, e animou a discussão e Moraes rebateu dizendo que não via romantismo na poesia baiana. Da platéia também vieram reações, dizendo que João Cabral de Melo Neto “não rimou dois com três. Se a poesia dele é matemática, deveria ser escrita com números”. Darlon complementou dizendo que poesia é toda feita com base nos sentimentos: “A lógica não explica o que eu sinto quando estou de frente ao mar”.

A mesa se encerra com um pequeno recital de poesias feito pelos autores, com poesias de Damário da Cruz e Patativa do Assaré.

Aline Cavalcante

Resumo da mesa “Linguagens e Geografias” - Pedro Mexia e Hélio Pólvora

foto: Vinicius Xavier


O editor Rosel Soares abriu a participação de Pedro Mexia e Hélio Pólvora na Flica 2011, para falar das relações dos escritores com suas terras natais e seus países e da união que a literatura é capaz de produzir.

Hélio explicou que a literatura é capaz de fazer pontes entre pessoas de lugares distantes no mundo, falando do livro como um tapete mágico que emociona pessoas de culturas diferentes: "Eu não conheço arma melhor do que a literatura para criar essa comunhão de pessoas".

Provocado por Rosel, Hélio contou de sua relação com o passado e fez recomendações para que as pessoas deixassem a vida seguir seu curso, que não voltassem atrás do tempo perdido. "As pessoas não estão mais onde nós as pomos, e nós não somos mais quem elas conheceram", explica.

De maneira risonha, Hélio fala sobre a idade e sobre os efeitos do tempo: “Estou naquela fase da vida em que o tempo é muito precioso. Vejo os grãozinhos caindo da ampulheta, e estão caindo muito rápido!” Rosel então lembra a Hélio de que ambos fizeram um pacto em que o editor daria mais dez anos de vida ao escritor, com a condição de que ele usasse esse tempo para escrever livros, a que atendeu escrevendo três obras.

Sobre o período que viveu em Portugal, Hélio contou que sua relação literária com o país começou em casa, lendo os livros do pai e amadureceu quando leu livros de José Saramago, autor pelo qual se sentiu bastante influenciado.

A maioria dos escritores portugueses tem uma relação conflituosa com sua família e seu país, mas mesmo assim a literatura é uma coisa tão importante que o dia nacional de Portugal "não por acaso é o dia de Camões", explicou Pedro Mexia. O autor é um homem à moda da literatura mais antiga, e sua geração viveu um momento único: foi a última a conviver com um país católico, a viver sem tecnologia. Pedro disse que no fundo, o que os mais velhos e os mais novos viveram não tem nada a ver com ele.

Falando sobre o Brasil, Pedro explicou que para os portugueses o país é um sucesso de crítica pela sensualidade e erotismo, muito diferentes do modo português. Antes, o Brasil literário era reduzido a um país rural, e a partir dos anos 80 o Brasil urbano foi descoberto. “A ficção brasileira atual é boa e muito melhor que a portuguesa. Já a poesia portuguesa é muito forte”, comparou o português.

Os autores discutiram as questões essenciais da literatura, dizendo que algumas pessoas trocam o “quem sou eu” pelo “onde estou”, especialmente no caso da tecnologia e das redes sociais. Pedro não acredita que a tecnologia muda as pessoas, mas está mudando a velocidade e quantidade de coisas que se produz a respeito delas: “O que a mídia escreveu sobre Steve Jobs nos últimos dias nunca foi escrito sobre Jesus Cristo!”

Perguntas surgem da plateia a respeito de Paulo Coelho: por que ele é tão lido? Como é tão popular? Pedro disse que não leu, mas Hélio explica que isso se deve ao fato do momento de insegurança que o mundo vive. “Aqui no Brasil somos campeões de homicídios, e hoje somos virtuais prisioneiros, somos prisioneiros domiciliares” explica o baiano, que só não escreve livros de auto-ajuda porque acredita que a ficção as ajuda mais a mostrar a realidade das pessoas.


Rosel e Hélio encerram falando das expectativas de melhora da leitura na Bahia com a chegada da Flica. “É verdade que na Bahia ninguém lê, e é por isso que vamos abrir uma editora. Precisamos trocar o abadá pelo livro!”, diz Rosel.

Aline Cavalcante

Resumo da mesa “O Fetiche do Livro em Papel e o Meio Digital” – Bob Stein, André Lemos e Fábio Fernandes

foto: Vinícius Xavier

O estadunidense Bob Stein discutiu com o brasileiro Fábio Fernandes a grande questão da literatura em meio digital, com a curadoria específica de André Lemos.

As mídias foram mudadas pelas redes sociais de modo a aumentar a necessidade de se compartilhar coisas com os amigos e o mundo. E por que não vender livros nesse universo? A grande questão discutida, a princípio, é o suporte material para o conteúdo produzido pelos autores e a maneira de remunerar essas pessoas por uma coisa transmitida de pessoa para pessoa digitalmente. “O livro é um dispositivo híbrido e mutante, que foi mudando a materialidade com o passar dos anos”, explicou André Lemos.

Esse dispositivo passa hoje por três mudanças fundamentais: a revolução do suporte material, que produzem maneiras diferentes de ler; a distribuição, que deve ser feita pensando nas novas maneiras de ler e a maneira de escrever, pensando nos novos suportes e nas novas maneiras de ler.

Fábio Fernandes explicou que o livro é um conceito, e que produzir backups não é um hábito recente, já que mesmo a biblioteca de Alexandria fazia cópias e as mandava para Pérgamo. “Talves estejamos enfrentando um conceito de materialidade que nunca havíamos enfrentando antes”, explica. Trata-se de suportes que podem ser frágeis, mas que não mudam em nada a existência do conteúdo, que pode ser mantido digitalmente na internet ou em drivers.

Apesar disso, nenhum dos autores acredita no desaparecimento do livro impresso. Para eles, o real problema deveria ser o “ler ou não ler”. Fábio explica que só agora o Brasil acordou para os livros digitais e que há muito os blogs e outros suportes são os lugares onde mais os jovens escrevem. “A minha geração não escrevia tanto quanto esta”, relata.

Bob Stein afirmou que a questão do livro digital é mais profunda, está relacionada ao futuro da sociedade humana, e que o medo dessa mudança na verdade é medo do próprio futuro. Com o tempo, a ideia de que os livros são coisas fixas e imutáveis vai sumir. “O ser humano demora muito a entender que é possível se adaptar às novas formas”, explicou.

André explicou que o que importa para os autores, no fundo, é que os livros gerem uma trajetória, que sejam “copiosos” (que gerem cópias). “Sem isso, os livros morrem nos HDs”, ilustra. O autor conta que gosta da possibilidade de carregar milhares de livros que não pesam nada, mas detesta a interatividade que esses livros possivelmente têm.

Ao tratar de direitos autorais e meios de remuneração, Bob comentou a situação dos músicos que não ganham dinheiro pela vendagem das músicas, e sim pelos shows. Disse que o mesmo é aplicável no caso dos autores de livros, que ganhariam pela ida aos eventos literários e pelo “pagar para engajar”, que trata-se de pagar para obter um livro contextualizado por explicações e imagens. Quanto à distribuição, Bob disse que uma nova maneira teria que ser inventada com o tempo.

A qualidade das produções on line também entrou em pauta, e os autores deixaram claro que a qualidade não tem, necessariamente, relação com o formato e-book. Pode-se produzir bem nesse formato, embora no caso do livro impresso as editoras funcionem como filtro de qualidade. No caso dos Blogs, André explicou que é um work in progress (tranalho em curso) que podem ser publicados como artigos on line depois de serem revisados.

No quesito relação autor-leitor, Bob apontou uma mudança importante: “Eles se relacionam em uma espécie de hierarquia, que é horizontalizada no meio on line. Essa relação está mudando dramaticamente, e isso vai acontecer nas próximas duas décadas”.

Segundo André, os blogs também funcionam como filtros de compra de livros, através da crítica literária por meio de resenhas. Bob finaliza dizendo que a editoras são “importantes para o capitalismo é muito grande, elas treinam as pessoas para viver sob o capitalismo”.
 

Aline Cavalcante