foto: Vinícius Xavier
Nei Lopes, Liv Sovik e Rodrigo Constantino discutiram os mitos da criação das Américas, mitos raciais e outras analogias entre seus países mais populosos, com mediação de Aurélio Schommer.
O mito de Pocachontas fala de uma índia Matoaka que se apaixonou por um inglês. Do casamento deles nascem os Estados Unidos, e dele descendem os estadunidenses. Liv Sovik explicou que esse é um mito de criação e convivência pacífica lembrado atualmente apenas pelas crianças nas escolas e por ocasião do famoso Dia de Ação de Graças (Thanksgiving).
Semelhante a este mito é a história de Diogo Álvares, português, que se casou com a índia Guiabimpará, que posteriormente recebeu o nome de Catarina Paraguaçu, que colaborou com a colonização do Brasil e com o surgimento do país.
Em nenhum dos dois mitos existe a figura do africano, “os ancestrais esquecidos” na fada de Nei Lopes. Enquanto houve escravidão, explicou Nei, 75% dos escravos trazidos para o Brasil eram da etnia Banto.
Schommer destacou que a colonização inglesa foi diferente da portuguesa no quesito miscigenação, pois eles não tiveram a mesma tendência de se miscigenar que os portugueses tinham. Rodrigo enfatizou que os ingleses segregavam os povos locais em todos os lugares que ocupavam. “Para mim é impossível ignorar a mestiçagem, eu a vejo em todo lugar e em todas as pessoas”, complementou.
Nei comentou a realidade de Machado de Assis em sua época e em seus livros. Machado era negro, descendente de escravos, e em sua obra criou personagens que possuíam escravos. Segundo Nei, isso faz com que os militantes abolicionistas não tenham simpatia pelo romancista, mas ressaltou que Machado apenas tinha a opção de não ser militante e assumiu essa postura. Liv disse que não era possível que Machado não soubesse a realidade de sua profissão e de sua raça.
Para Liv, é muito importante definir o que torna uma pessoa racista ou não, para que não se chegue a um beco sem saída. Segundo a estrangeira, é preciso prestar atenção no racismo decorrente da ocupação do “mundo novo”, em especial no Brasil. “Sou uma branca que tem consciência do racismo e que presta atenção nas situações”, contou.
Ao comentar a música “O Teu Cabelo Não Nega”, Rodrigo explicou que muita coisa se perde no crivo do politicamente correto, inclusive as coisas boas que importamos de outros países. “Quantas obras de literatura não teriam sido perdidas por conta desse crivo?”, questionou.
O capitalismo, segundo Rodrigo, é a maior força anti-racista que existe, por ser um sistema impessoal que prima pelo produto, não pela pessoa por trás dele. Liv questionou Rodrigo sobre quantos negros teriam capital para abrir uma quitanda a hora que quisessem e ressaltou que era importante pensar na história do capitalismo para chegar a qualquer conclusão. “Muita inteligência foi desperdiçada pelo racismo”, lamentou.
Os autores discutiram as lutas legais contra o racismo, em especial a de Antônio Rebouças, que foi deputado do Império e lutou, usando textos de leis estadunidenses, para que afrodescendentes das forças armadas pudessem chegar ao oficialato, dentre outras lutas contra a discriminação racial.
Soluções para a questão do racismo, como as políticas afirmativas, o sistema de cotas e comportamentos de afirmação racial entraram em pauta, e a polêmica da noite começou.
Rodrigo disse que não gostava de quando as pessoas se utilizavam de frases emblemáticas como “primeiro negro” ou “primeira mulher” e que não acha que a entrada na universidade por uma questão de raça vá melhorar o país, pois as cotas geram mais preconceito. “É importante falar daquilo que não se vê: um homem de pele clara que não entrou na universidade por conta das cotas. Sou a favor de que se entre na universidade pelo mérito”, afirmou Rodrigo. Liv retrucou: “As cotas são importantes para as pessoas que ficam sujeitas à violência e às dificuldades das cidades”. Para ela, essas políticas afirmativas irão em breve criar uma nova elite.
Discutiu-se a questão da culpa social pelas consequências da escravidão e do racismo. De um lado, Liv defendeu que o racismo é um problema de todos nós, “precisamos enfrenta-lo sem culpa”. De outro, Rodrigo disse que não poderia se sentir culpado por uma escravidão com a qual não contribuiu e nem teve a família envolvida.
Schommer mencionou uma pesquisada UnB, que diz que 86% dos brasileiros têm DNA negro. Mencionando uma lei sul-africana de 1950 que institui o registro das pessoas de acordo com a cor, Rodrigo disse, exaltado, que é da raça humana, que sonha com um mundo que não dê importância para as cores de ninguém. Liv lamenta: “os únicos que se dão o luxo de esquecer das questões de raça são os brancos”.
Liv disse ainda que Martin Luther King nasceu no país errado, que a tensão racial nos EUA é hoje menor que antes, mas ainda a considera muito alta. Em alguns lugares, a tensão racial da classe média é imensa. “Sem a política de cotas corremos o risco de esquecer para quê esse tipo de coisa existe”, defende.
Rodrigo encerrou sua participação dizendo que as pessoas lutam com as melhores intenções, embora usem as ferramentas erradas, e que espera que isso melhore.
Liv sugeriu que se substitua a palavra “mestiçagem” pelo conhecimento das negociações raciais de colonização.
Nei conta que na infância já discutia a exclusão social e por isso era acusado de ser portador de um desvio ideológico. “O importante é que todos tenham oportunidades. O negro não tem que estudar mais só para ser melhor que o branco”, finalizou.
Aline Cavalcante
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