sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Resumo da mesa “História e Negritude” - Joel Rufino dos Santos, Ana Maria Gonçalves e Luislinda Valois

foto: Vinícius Xavier

Na sexta 14/10, pela manhã, Luislinda Valois, Ana Maria Gonçalves e Joel Rufino dos Santos discutiram a negritude sob diversos aspectos históricos nacionais e internacionais, com a mediação de Márcio Meirelles.

Luislinda pediu permissão à grande Iansã para começar e falou da situação das mulheres e homens negros no Brasil, dizendo que a mulher negra eram levadas pelos brancos para as festas para dançar e os homens negros para batucar. A magistrada assegurou que com ela isso não acontece: "A mim não comandam mais, porque sou uma mulher brasileira, negra, magistrada e divorciada!"

Ela explicou que o negro que ainda almeja ser tratado como uma coisa, se tornará uma coisa aos olhos dos outros e que disse que não quer morrer sem ver muitos negros em posições de comando no Brasil: quer ver um negro governar a Bahia, ser presidente da República. "Meu sonho e ser a presidente deste pais", revelou.

Segundo a magistrada, a educação continuada é uma necessidade diante do mundo globalizado. Ela pediu que os pais prestem atenção em um detalhe relativo ao ajuste da educação em relação a idade, usando como exemplo duas crianças da mesma idade cuja data de nascimento tem a diferença de um dia. Um dia a mais pode fazer com que a criança vá para a série seguinte, enquanto um dia a menos pode fazer com que a a criança seja colocada na série anterior. "Isso é desmoralizante para a educação desse país", desabafou.

A necessidade de ter mais negros na área de saúde foi reforçada por Luislinda. Ela explicou que o negro é quem sabe das doenças e dos sofrimentos que tem. Falou também da situação do negro no esporte brasileiro, da sua ausência em esportes como tênis e o automobilismo, e da ideologia que envolve o negro no futebol, onde se espera que sejam os melhores.

Em se tratando de trabalho, a primeira magistrada negra do Brasil foi categórica: para o negro tudo é uma questão de casca, e as cascas tem tudo. Mas nós negros temos as costas, para as chibatadas. Todos nós negros tomamos chibatadas todos os dias só que nos não percebemos". Explicou que a mulher negra arranja empregos de prostituta ou de empregada doméstica, e que para que isso acabe é preciso que haja luta, que os negros conquistes outros espaços que não sejam o de execução e de apoio.

A plateia mandou uma pergunta sobre a questão dos jogadores africanos da seleção francesa de futebol, dizendo que eles não cantam a Marselhesa (hino da França), a que Luislinda respondeu dizendo que os jogadores brasileiros também não cantam o Hino Nacional Brasileiro, eles "só mexem a boca".

Ana Maria entra na discussão explicando que os jogadores não são aceitos como franceses, por isso não têm a cidadania do país. "Basta olhar para as manifestações a respeito das migrações. Eles não são aceitos como cidadãos", explica.

Joel retoma a questão do negro no poder, falando que o fato de o Brasil não ter generais e grandes políticos negros deveria ser contabilizado como "ataque". Segundo ele, a cidade de São Paulo lutou para ter um prefeito negro, que era malufista, e isso não deu certo (Celso Pitta acabou envolvido com diversos escândalos de corrupção). Deu também o exemplo do presidente estadunidense Barack Obama, que não conseguiu fazer a maioria das coisas a que se propôs. "Querer negros no poder e bom, mas precisamos ter cuidado. O negro que se mistura com o branco porque costuma se dar mal", explicou.

Luislinda interveio dizendo que se o poder é bom, ela quer estar nele e que não se deve ficar sentado rezando e esperando uma oportunidade de se chegar ao poder aparecer sozinha. Disse que trabalha em prol das minorias para que haja uma democracia melhor. Explicou que o problema dos casos de racismo se deve ao fato de não haver juízes negros para julgá-los. Os juízes brancos não têm interesse em se especializar nessa área e as penas acabam assim sendo abrandadas.

Segundo a juiza, a situação do negro do mundo é tão grave que a ONU (Organização das Nações Unidas) precisou criar o Ano Internacional do Afrodescentente. "Não temos empregos, e os que as mulheres negras arranjam tem que ser de prostituta ou de empregada doméstica. Somos assediadas constantemente", desabafa. A adoção de crianças também é um problema, pois a maioria das crianças negras não é adotada porque a preferência costuma ser por crianças recém-nascidas, loiras e de olhos claros. "Precisamos de políticas que ajudem as mulheres negras a terem a quantidade de filhos que puderem ter. A mulher negra não é fábrica de gente", ressalta.

Há pouco tempo, os negros tinham vergonha de assumir sua religiosidade, e a polícia criava mecanismos para controlar essas manifestações. Era preciso se registrar e pagar taxas para exercer essa religiosidade, com horários controlados.

Márcio pede que Joel explique melhor a negação de que fala Jean Paul Sartre ao definir a negritude: "negação da negação do homem negro". Joel explica que a frase de Sartre tem que levar em consideração que o tempo passou, e que esse tempo relativiza as coisas. Ele comenta a indianidade do negro, em que o negro que descende de índios pode se auto-intitular índio e favorecer a democracia, já que os índios são os verdadeiros donos do Brasil. "O negro de hoje não é só africano, é índio também", completa.

Joel diz que o negro é uma grande contradição histórica, pois se chega o poder, sofre a influência do branco. Luislinda complementa que isso acontece para que o negro possa sobreviver.

Diante de uma pergunta da plateia sobre a necessidade do negro assumir o poder para diminuir opressões, Joel comenta o sistema de cotas sob dois aspectos: o ruim, que expõe o negro, e a bom, que é a melhoria da democracia. Para ele, o racismo não vem sozinho, vem com o exercício do poder. Joel defende que existem duas coisas diferentes, que são o racismo e o racialismo. O racismo vem com o poder e a negação do negro, enquanto o racialismo vem do reconhecimento do "ser negro", quando o negro assume e luta pela sua identidade.

Ana Maria aproveitou para explicar que a negritude existe devido a uma normatização da branquitude, a partir da qual dizemos quem não é branco. "Não se pensa no branco como uma raça, mas como um padrão em que os diferentes são inferiores", explica. A escritora discorda da ideia defendida por Leandro Narloch de que o negro ensinou o português a traficar escravos, mencionando a escravidão da antiguidade como exemplo de fonte que pode ter inspirado essa prática. Explicou que a escravidão praticada pelos africanos era diferente daquela feita no Brasil, pois a maneira como os escravos eram obtidos e tratados era diferente: "na maioria das regiões, eles eram agregados domésticos. A escravidão que teve aqui no Brasil foi a primeira a ter o limite da cor. Apenas negros poderiam ser escravizados".

A escritora criticou duramente o senador Demóstenes Torres por ter dito que a escravidão no Brasil tinha sido democrática, pois todos poderiam ter escravos. Disse que isso não era verdade principalmente pelo fato de os negros não poderem escravizar os brancos. Até 1985, a legislação brasileira dava preferência para imigrantes europeus com o objetivo de embranquecer o Brasil. As políticas de branqueamento de cem anos atrás tinham a intenção de extinguir os negros na população atual.

O caso do Machado de Assis "branco" na propaganda da Caixa Econômica Federal veio à tona, causando uma discussão acalorada. Ana Maria explicou que houve pesquisa para fazer a propaganda, e que o ator foi selecionado por ter feições parecidas, tendo apenas recebido uma maquiagem "negra". "Esses publicitários não confiam na capacidade de um ator negro representar Machado?", questionou.

A plateia pergunta se a situação do negro não está mais vinculada à pobreza do que à cor, a que os autores respondem dizendo que ambos os fatores caminham juntos, e necessitam de soluções adaptadas e muita luta. Luislinda ressaltou que as cotas são necessárias, mas não ad eternum, "senão vira esmola e nós não precisamos disso". Ana diz que acha que o negro rico não sofre menos preconceito do que o negro pobre, e exemplifica com a situação de alguns jogadores brasileiros no exterior, que são confrontados com bananas.

Joel concorda com as autoras e comenta: "A sociedade e feita de lugares, e negro e um LUGAR, não e uma raca, o que já esta demonstrado". Ele discorre sobre as diversas coordenadas desse lugar: a pele escura, o cabelo "carapinhado", a pobreza, os hábitos da cultura negra e o gostar da cultura negra, que tornaria qualquer pessoa, independente da sua cor, um negro. "Isso tudo parece ruim, mas ajuda o negro a conquistar espaços. Se essas pessoas ocuparem esses espacos e assumirem essa luta, a democracia se fortalece.

A plateia pergunta qual a diferença entre ser escravo e escravizado, e Joel explica dizendo que você pode escravizar, mas tornar alguém um escravo e muito mais difícil. "O tom de vítima não faz bem ao negro na atualidade, o estigma de escravo não lhe cabe, cabe o de escravizado", finaliza.


Aline Cavalcante

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