foto: Vinícius Xavier
Nei Lopes fez um rico relato de sua vida pessoal e literária na companhia de Aurélio Schommer.
A marginalização do negro e do pobre era constante no Rio de Janeiro da juventude de Nei Lopes, e não era diferente com os artistas: chamados sempre por apelidos e perseguidos pela polícia, a mídia os representava quase sempre como criminosos. Branco era gente de “pouca tinta”.
Do contato com a música veio a vontade de sair nas escolas de Samba, e naquela época só as mulheres saíam fantasiadas. Homens vestiam terno e gravata, desde crianças. Nei conta que a paixão pela Portela era tão grande que chegou ao cúmulo de vestir um terno enfeitado para a sua primeira comunhão. E a paixão não parou por aí.
“Comecei a participar da escola de samba no mesmo ano em que comecei a estudar direito, então me sagrei acadêmico duplamente”, contou Nei. Inspirado na realidade das escolas de samba, Nei começou a escrever ficção.
No Rio de Janeiro, Salvador era chamada de “Mulata Velha” dentro de um bairro que servia de reduto para os baianos, chamado Cidade nova. Nei criou uma Tia Ciata baseada na baiana para um livro que se chamou Mandingas da Mulata Velha na Cidade Nova. Segundo o advogado, o livro quase não foi publicado com esse por preconceito religioso, por causa do termo “Mandingas”.
Explicando a origem do samba, Nei explicou que há quem diga que foram os tupis guaranis que o criaram, mas refuta a hipótese com facilidade: “Não tem nada a ver, índios dançam em linha!”. Falou da dança angolana e sua sensualidade inerente: “o que a gente vê hoje na ‘boquinha da garrafa’ é sacro perto da dança angolana”. O semba é uma dança angolana mais respeitosa, feita em casais, e se assemelha com o samba.
Sobre o pagode, Nei explicou que o termo está presente na literatura desde o século XIX. Pode ser um termo indiano que significa “muito” (ex: feio de pagode = muito feio). “O samba de pagode então seria um samba cheio de gente”, explicou.
A indústria cultural, segundo o romancista, descobriu que a palavra “pagode” tinha muita força e que merecia uma característica própria, mais ligada ao pop. “O pagode da grande mídia destaca valores comerciais de amor, sexo e pegação”.
Coisa que chateia o sambista é o fato de o samba, uma música popular, ter ganhado ares de cult com o tempo. A pretexto da preservação, algumas pessoas só cantam sambas dos anos 30. Até o tombamento do samba tem que ser visto com cuidado, porque engessa o gênero. O samba vive hoje uma universalização, em que a melodia é a mesma e só as letras mudam.
Para ele, tudo o que é exagerado fica ruim. “Um tempo desses eu fui apresentar o É o Tchan!, aquilo era samba de roda! O duplo sentido sempre esteve presente no samba de roda baiano, mas era um duplo sentido inteligente”, explicou. A suposta malícia da dança vem em parte do ritual de fertilidade, “mas existe uma sacanagenzinha”.
As danças dos negros são todas batuques, e o samba é uma dança negra, mas o carnaval dificilmente tem um samba-enredo que fale das africanidades.
Sobre as festas baianas, Nei critica: “Comercializar ou banalizar uma religião não é uma coisa boa, é uma exposição desnecessária. Espetacularizar a religiosidade é algo de que não gosto, nem os Orixás gostam”. O sambista se queixou também da queda brusca da qualidade do funk carioca, e disse que o axé é muito melhor. Sobre o carnaval, comentou que a verdadeira festa européia pode ser vista na África, e não no Rio.
Nei finaliza: “Branco se vestir de preto e preto se vestir de branco: isso é o verdadeiro carnaval”.
Aline Cavalcante
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